No
dia 1 de junho, A nave fez sua estreia do cine clube com o curta-metragem de
Gabriel Varalla Groppi chamado Cabo
Polônio – entre o céu e o mar. O filme é um documentário em preto e branco que
se beneficia da bela paisagem local de Cabo Polônio no Uruguai, utilizando como
personagens, famílias de pescadores que tem seu cotidiano ditado pelo ritmo da
relação direta com o mar.
Há uma discussão sólida, principalmente dentro do meio acadêmico
audiovisual, em torno da questão “o que é documentário?” E, para falar de Cabo Polônio, nós somos obrigados a
considerá-la, já que o filme esteticamente se revela rompendo alguns elementos
que caracterizam a estrutura documental. Na filosofia contemporânea já está saturado
e, mais que assimilado, que somos um filtro e que percebemos o “real” a partir
de nossas referências construídas no convívio social. Quando se manipula uma
câmera isto é potencializado, pois, estamos realizando um recorte do que
percebemos (e construímos) como “realidade”, decidindo o que queremos revelar e
o que queremos ocultar. E, ainda, com edição e trilha obtemos o poder de criar tom,
ritmo e clima do nosso discurso (não é mais secreta a linguagem audiovisual, já
é de senso comum o poder da edição, sabe-se que com as mesmas imagens podemos
criar discursos distintos). Mesmo quando vemos algo que nos parece cotidiano,
que tem o ritmo do dia a dia, isso foi construído, o cotidiano no cinema são
códigos definidos que nos dão a impressão de cotidiano. Assim, podemos dizer
que “o documentário está para ficção, como a ficção está para o documentário”.
O diretor com Cabo
Polônio abre uma porta para a construção da imagem poética e um mergulho em
uma escuta interior, livre da dinâmica vida contemporânea ditada pelos relógios
da balança financeira, bem conhecida por todos. Junto com a sensibilidade da refinada
fotógrafa Andréia Scansani e com notas melancólicas compostas por Daniel
Viglietti, o diretor suspende o espectador e o transporta para o ritmo de uma
consciência que associo à natureza, em que as roupas do varal não falam do
ofício da lavadeira, mas da presença invisível de um vento coreógrafo. Assim, é
com todos os personagens que aparecem no filme: seus ofícios são pequenas ações
para reforçarem a grandiosidade de uma paisagem desprovida de pressa para se
reinventar.
Em
relação aos depoimentos do documentário, nenhum personagem aparece falando
diretamente para câmera, proporcionando que as lembranças ganhem um tom
imaginário que encontramos em lugares distantes, amarrados - em essência - ao
universo ficcional.
Quem,
nessa noite de sexta, esperava assistir um documentário (como o conhecemos
estruturalmente) foi surpreendido por um poético discurso visual.
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