terça-feira, 5 de junho de 2012

Cabo Polônio – um documento poético.


No dia 1 de junho, A nave fez sua estreia do cine clube com o curta-metragem de Gabriel Varalla Groppi chamado Cabo Polônio – entre o céu e o mar. O filme é um documentário em preto e branco que se beneficia da bela paisagem local de Cabo Polônio no Uruguai, utilizando como personagens, famílias de pescadores que tem seu cotidiano ditado pelo ritmo da relação direta com o mar.
         Há uma discussão sólida, principalmente dentro do meio acadêmico audiovisual, em torno da questão “o que é documentário?” E, para falar de Cabo Polônio, nós somos obrigados a considerá-la, já que o filme esteticamente se revela rompendo alguns elementos que caracterizam a estrutura documental. Na filosofia contemporânea já está saturado e, mais que assimilado, que somos um filtro e que percebemos o “real” a partir de nossas referências construídas no convívio social. Quando se manipula uma câmera isto é potencializado, pois, estamos realizando um recorte do que percebemos (e construímos) como “realidade”, decidindo o que queremos revelar e o que queremos ocultar. E, ainda, com edição e trilha obtemos o poder de criar tom, ritmo e clima do nosso discurso (não é mais secreta a linguagem audiovisual, já é de senso comum o poder da edição, sabe-se que com as mesmas imagens podemos criar discursos distintos). Mesmo quando vemos algo que nos parece cotidiano, que tem o ritmo do dia a dia, isso foi construído, o cotidiano no cinema são códigos definidos que nos dão a impressão de cotidiano. Assim, podemos dizer que “o documentário está para ficção, como a ficção está para o documentário”.
         O diretor com Cabo Polônio abre uma porta para a construção da imagem poética e um mergulho em uma escuta interior, livre da dinâmica vida contemporânea ditada pelos relógios da balança financeira, bem conhecida por todos. Junto com a sensibilidade da refinada fotógrafa Andréia Scansani e com notas melancólicas compostas por Daniel Viglietti, o diretor suspende o espectador e o transporta para o ritmo de uma consciência que associo à natureza, em que as roupas do varal não falam do ofício da lavadeira, mas da presença invisível de um vento coreógrafo. Assim, é com todos os personagens que aparecem no filme: seus ofícios são pequenas ações para reforçarem a grandiosidade de uma paisagem desprovida de pressa para se reinventar.  
Em relação aos depoimentos do documentário, nenhum personagem aparece falando diretamente para câmera, proporcionando que as lembranças ganhem um tom imaginário que encontramos em lugares distantes, amarrados - em essência - ao universo ficcional.
Quem, nessa noite de sexta, esperava assistir um documentário (como o conhecemos estruturalmente) foi surpreendido por um poético discurso visual.

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