quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Um rito de passagem (crítica do filme The Ballad of Jack and Rosie)


O filme The Ballad of Jack and Rosie escrito e dirigido por Rebecca Miller e protagonizado por Camilla Belle e Daniel Day-Lewis estréia em 2003 nos Estados Unidos. Comento esse filme porque o trabalhei  na disciplina Filosofia e Artes com ensino médio da Escola Perfil. 
O filme: o pai, que escolhe a sua filha, por um período - o que precede a sua morte - como mulher de sua vida; para a filha, outro homem é inexistente na áurea atenciosa vigiada pelo pai. O inevitável, o pai não pode assegurar para sempre uma vida (um universo particular) para filha, o motivo, são dois: primeiro, ninguém é eterno, e, segundo, tem necessidades da filha que não cabe à família suprir, não lhe diz respeito. 

O filme, então, é um ritual de passagem da menina para mulher.

Rebecca Miller abusa dos símbolos para nos contar esse rito. Jack: aproximo do arquétipo do minotauro. O que está preso no seu labirinto, não porque foi forçado; mas porque escolheu estar preso em uma ilha do que participar das leis vigentes do convívio social, como Asterion de Borges. A diferença entre os minotauros é que Jack no seu labirinto tem uma filha (uma mulher) que cria suas referências na ilha labiríntica (universo sedutor do mostro), ao mesmo tempo, que inevitavelmente o modifica com sua existência. E Asterion de Borges vive em solidão completa, “sem pompas feminis” como ele mesmo afirma. E também Asterion mata como libertador do veneno social, Jack tenta “matar” todo veneno que pode ferir seu labirinto.
Jack transita em contradições: o pai que garante a proteção do externo à filha, e o que tem a responsabilidade de mostrar os universos alheios: “o mundo” – a cultura vigente. A simbologia é trabalhada com uma sutileza transformando Rosie em uma das bruxas mais interessantes do cinema.

Reforço a redundância dos símbolos falando deles:

Quando o mundo externo chega ao universo dos dois, a natureza “sangra”; Rosie, na praia, olha a natureza se movimentar formando a tempestade que vai derrubar sua casa (da árvore). Diante da pergunta do pai se ela ainda usa sua casa, Rosie responde ironizando sua criança, “It’s My house”. Nessa cena, Jack avisa que vai chegar visitas. E quando chegam as visitas, não para passar uns dias, e, sim, para morarem definitivamente, pois, não são apenas visitas, é um romance de Jack com seus filhos, Rosie cobra a promessa do pai, de que ela estava protegida para sempre da doença do mundo em sociedade, sente-se traída.

Enfrenta a crise ciumenta da perda total de atenção, se despindo da criança e se entregando confiante às mãos de uma espécie de terapia do cabelo (corte radical), e imbuída de uma energia determinada, toma uma atitude semelhante do pai, o de atirar nos intrusos que invadem seu território. Cenas mais tarde, na perda da inocência com a perda da virgindade (um ato vingativo em relação ao pai) libera uma cobra venenosa que vai atacar implacavelmente, saindo da casa somente quando tudo estiver queimado, acabado: o ritual consolidado. Rosie vive a responsabilidade dos perigos quando testamos os limites para sairmos da inocência dos universos umbigais: “As pessoas inocentes são perigosas”.

O beijo entre pai e filha, antes de tudo que se pode construir moralmente, é uma despedida. É quando o mostro percebe a fragilidade de sua uma ilha, um pequeno labirinto, diante da máquina - da lógica - da ordem - do contrato social, criado e reforçado por universos individuais. E o seu labirinto é uma “mancha” por não obedecer a lógica do senso comum e, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, será afetado, desmoronado, por um Teseu pré-fabricado em sonhos pavimentados de tecnologia e praticidade.

A Menina ingênua morre junto com o pai.

Todo esse ritual acontece em um contexto de um embate entre ideologias, choques de modo de ver o mundo: o ambientalista x a especulação imobiliária.

Para falar de atuação, primeiramente falo de direção. Rebeca Miller, cuida de cada ator primorosamente, um filme de ator - Camilla Belle perfeita para a personagem, jovem e ao lado de um ator experiente, desempenha o papel com eficácia e precisão; Daniel Day-Lewis, por sua vez, esbanja sutileza na interpretação, pra mim, impecável. O naturalismo em seu estágio primoroso. Se pensarmos no teatro consigo idealizar algo assim, somente em uma sala pequena para poucas pessoas assistirem. Sutilezas deste nível, lembro dos Prêt-a-porter  orientado por Antunes Filho.


Tecnicamente: fotografia, trilha e edição servem à atuação, sem exibicionismo, o reforçar do acontecer do rito “natural”, todos passam!      

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Público especializado


Ontem (1/11/13), fui ver a apresentação de um espetáculo de mímica /teatro O ninguém. Artistas: Stefanie Herzog (atriz) e Marcos Caldeira (diretor e trilha sonora).

Stefanie Herzog, o pouco que conheço, atriz e musicista disciplinada com um plano mental muito desenvolvido. Marcos Caldeira, teatrólogo com a música impregnada na alma.

Local: A Nave - Longe do cenário (principalmente o publicitário) artístico.

Acompanhei o processo como público. E posso falar com esse ponto de vista tendencioso: o do que vê, recebe a obra teatral, que é a síntese da vivência artística.  

A primeira vez que se apresentou, o trabalho (bem no início) não tinha absolutamente nada que se aproveitasse. Nada nada nada nada: Tudo fora. Não dava nem para tecer críticas. Tinha apenas a entrega da atriz, o tatear típico no escuro de quem busca algo que ainda não se manifestou. Os clichês habituais que insistem em se materializar nos inícios de processos, a coragem de assumir a exposição.

A segunda vez que vi, semanas mais tarde, foi em uma sessão que estava na plateia Ananda, Luara, Jander, Natália e Eu. Já tinha... Não acontecia ainda. Mas já estava se desenhando. Nesse dia, o teatro aconteceu depois que acabou a apresentação, discutindo sobre o processo, Ananda, 1 ano e meio, em gramelô (uma língua inventada por ela) narra alguns acontecimentos. Mas ela narra com uma admiração de que tudo é novidade, até o narrar é uma novidade para ela, o se comunicar em uma linguagem vocal de construção de frases sonoras é novo, se vê claramente a áurea do estar no hoje. As conversas paralelas começaram a cessar e ela atraiu o foco, a primeira vez que foi assistir a uma peça teatral, acabou fazendo teatro. Com o poder da inocência instaurou condições para o teatro se manifestar. Possivelmente, mais tarde pode fazer essa experiência mais consciente (levando em consideração que a mãe (Natália) é atriz e artesã, e o pai (Jander) um artista que trabalha com educação) cogito matematicamente uma possibilidade de que venha experimentar o teatro. Digo consciente no sentido de saber que existem as referências (passado e futuro), e com uma atenção no presente, algo que não é cotidiano pode se instaurar. A consciência de preparar, se preparar constantemente, para que o teatro se manifeste. Uma atriz, a pessoa que ensaia, que repete uma concepção para ter consciência que nada se repete.

A terceira vez, estava Eu, Luara e Ofélia, gata de poucas semanas. Luara, junto com Marcos, estamos em cena a mais de 10 anos juntos, uma atriz que nas nuances de seus personagens, permeia uma abertura dimensional de um tom visceral que se matiza com o contexto.  O teatro já estava se manifestando, aí pode se soltar respirar criticar, porque já está acontecendo... Nesse caso: Pontualidades a ajustes apolíneos e cuidar: aumentar a intensidade de impregnações dionisíacas.

Pré-estréia, dia que precedia o feriado de finados. Feriado que atrai turismo, a cidade um pouco mais barulhenta do que de costume, o sol aparece e desaparece. O Púbico especializado:  Eu, que tenho a pretensão de tecer essa crítica; Gabriel, o fotografo que pinta o astral impregnando as imagens presente, o registro que nunca é de algo pretérito, por ser artístico; Alemão Izneique, a consciência lúcida dos contempladores filosóficos;  Vida, apareceu “ao acaso”, com a vibração criativa do Vale do Capão, Chapada Diamantina. Parruni, cinéfila e musicista: em intensidades sussurradas; Bruninho, viajante verbal em discussões humanas. Público exigente –Seleto!

Apresentação perfeita: preparação do ambiente no interior, na rua a distração habitual de público, no caso, com esse público, uma distração que já estava atenta à apresentação. Todo o processo que acompanhei foi impecável, no sentindo de público certo para a obra certa. Lucro da bilheteria: 5 reais e bebidas etílicas para o coquetel de pré-estréia. Coquetel: Discussões que ecoam (e impregnam) na sabedoria do balcão.

A crítica: consciência que tudo acontece o tempo todo em todos os lugares.



Foto: Gabriel Varalla
                                                                                
                                                                                 
Foto: Gabriel Varalla

Foto: Gabriel Varalla
                                                                        
Estréia: dia de finados - porta aberta para os mortos assistirem o silêncio!

Foto: Gabriel Varalla
                                                     

Desajuste no corte (de uma carta)


,dialoga com a questão (que estava hiper-pertinente com a bibliografia), mas falta criatividade.

Bom, mudando de assunto...

Leu o resumo do Juca?


Fala de Decroux... e Chaplin é citado. Para mim, a diferença entre eles é que Decroux reproduz a máquina e Chaplin a critica. Decroux é um mímico, Chaplin um palhaço. Decroux se transforma em máquina, Chaplin não, você não vê a máquina em Chaplin, ou melhor, você vê a máquina se desajustando diante (e no corpo) do humano. “A Usina” funciona porque é “coro e trilha”, esse é um lindo trabalho. O coro tem muita funcionalidade, em uma proposta na rua, nem se fala. Os coros militares estão aí para não me deixar mentir. Olha o que é a polícia de choque chegando? Horrivelmente funcional. Totalmente diferente da humanidade do coro de sala de Pina Bausch... Anna, lembro quando você ap

domingo, 3 de novembro de 2013

Ensaio (para um artigo)


Uma viagem de ônibus (ou a escolha de elenco).
(3/11/13)



Ela entra no ônibus, e não me viu.

O contexto: Caminho sempre... São 7 quilômetros Ferrugem x  Garopaba. Adoro esse trajeto. O inverno foi lindo, frio intensamente suportável! E a primavera impecável, um vento nordeste que não é frio, mas com força de pólen no ar, maravilhoso mas te exige esforço, por vezes, chuvas torrenciais, que aliviam qualquer tensão que possa haver: chuvas de fecundidades, a natureza plantando. E o pôr do sol? Alucinantes. Inefável, por não ser reproduzível. 

No começo, as pessoas se surpreendiam quando eu recusava a carona, “não, não... tô de boa. Tá bom pra caminhar”, agora se acostumaram: Teatro Professor – um pouco louco. Hoje preferir caminhar do que andar de carro pode ser um sinal de loucura, a lógica é o vício, escravo de suas máquinas, sem julgamentos: o conforto e a praticidade são relevantes, eu é que gosto da “crueldade” como diz Artaud, crueldade no sentido de oposição ao conforto, crueldade como Vida. Pego a carona, quando sinto que é. Todas são únicas. O “estar no presente” da Mnouchkine.

Então, desci do ônibus que leva e traz os estudantes Garopaba x Florianópolis, comecei a caminhada habitual para Ferrugem e Ela me oferece uma carona: um primeiro contato, superficial.

Quatro dias depois, volto a pegar o ônibus para a faculdade. Aula de  Decroux, o ilustrador. Nota pessoal não relevante: odeio! O Coppeau gosto da literatura, gosto desse teatro que ele pinta, o Jouvet é o que foi pra guerra? Que tem três atores e um é bêbado, rege a lenda que “eram péssimos militares e ótimos atores” (comentário proferido no debate em uma aula do mestrado). Esse é genial! Como costumo falar, são as referências mitológicas do século XX. Os que deixaram rastros para que os criássemos em uma construção imaginária: a “rostidade”, moldada a partir de necessidades atuais. Stanilawski é o símbolo do que começou tudo,  a abertura das portas, como disse Grotowski é o que fez as perguntas em que vai desencadear as vivências posteriores (“A porta aberta” nome sugestivo hein Peter Brook?!). Grotowski, o sacerdote, tem a consciência da construção dos personagens míticos, tanto que na palestra que proferiu no Brasil 1972 vai dizer:  

Eu consegui isso em determinados momentos, quando apareceu um certo personagem chamado Grotowski, cuja  imagem existe em diversos países, um personagem mítico, provavelmente alguém que descobriu um método eficiente no domínio da arte. Ele conhece a chave da criação, em certos momentos pode fazer uma espécie de milagre profissional.
Este personagem não tem nada a ver comigo, mas tem sua própria vida que me ajuda.
Esses personagens adquiriram um status de entidades. Artaud, o que era atormentado pela lucidez. Imagina Europeu Francês com todo cenário artístico da época, chega à América latina, falando de Decroux, Jouvet, Coppeau, sobre o teatro francês, enfim e... Ahã, então, toma esse chazinho de umas plantas (de poder): o maluco se atormentou mesmo. Um gênio que encontramos em uma literatura ímpar. Um pulsar teatral que é um reverberar na matéria de impulsos que permeiam o metafísico. Que vai escrever e ajudar a criar a personagem do suicida da sociedade, um Van Gogh: lucidez fruto de uma sensibilidade transcendente, de um olhar que penetra nos corpos, sacerdotes: a arte de penetrar dimensões.

Olhar...

 Estou no ônibus indo para aula de Decroux, Ela entra e senta do meu lado. Eu de fone de ouvido (escutando Jeff Buckley – um anjo), penso: essa é... de onde eu conheço?... Ah! A menina da carona. Tiro os fones de ouvido. Ela me diz “pode ficar escutando” respondo “Prefiro não”. Começamos a conversar... Fluidez, afinidade pulsante. Eu “Como a gente nunca tinha se visto?” Ela “Como não, nesse, nesse e nesse dia” Eu “Ah... sim, lembrei”. Eu apenas não estava associando o nome a pessoa. Pensei “É você, claro... Agora eu lembro.” Depois desse encontro, virou rotina sentarmos juntos no ônibus.

Bom, contextualizado, retomamos a cena inicial. Lembram (a primeira frase deste ensaio)?

Meu destino esse dia: oficina de montagem teatral que ministro semanalmente no projeto de extensão do IFSC. Estamos montando um exercício cênico a partir da peça didática de Brecht “Aquele que diz sim, Aquele que diz não”. A oficina que começou com 10 pessoas restaram 7, normal, começa a pressão teatral, alguns saem. No início realizei jogos, para ver o grupo, não conhecia quem estava participando. Aí decidi pelo exercício cênico didático. Não peguei o texto em si, mas a proposta: estrutura, diálogos e personagens simples (quase caricatos). A situação ficou assim: uma vila (que representa simbolicamente a humanidade) texto inicial de Becket:

Não vamos perder tempo com discussões inúteis, vamos fazer alguma coisa enquanto ainda temos tempo. Não é todos os dias que somos solicitados. Outros fariam tão bem, ou melhor do que nós. O chamado que acabamos de escutar é dirigido a toda humanidade, mas neste local e nesse momento, a humanidade toda se resume a nós. Queiramos, ou não.
Chega na vila a Peste (que é personificada por um casal: ele um burocrata, contamina com bases em princípios éticos, e ela, uma inteligência psicopata). Um grupo de pessoas tem que sair para buscar o antídoto. Na expedição uma pessoa adoece e o grupo decide se dividir: uns, ficam cuidando o doente; e os outros, levam o antidoto e depois voltam para resgate. Tudo resolvido. Aparece a Peste para problematizar, a questão é: se você tivesse a escolha de salvar (ou não) a humanidade, você faria?
Todos os participantes com pouca experiência teatral, nesse dia da viagem a gente ia acabar de marcar a peça. Ter o esqueleto completo do espetáculo/exercício, que foi criado de improvisos que se repetiam, de imagens estáticas que depois iam se modificando quando ganhavam movimento, e marcas indicadas por mim, concebidas intelectualmente. Agora, eles estão entendendo a questão de repetir, a relação “reprodutibilidade e espontaneidade” que Matteo Bonfitto e Lídia Olinto escrevem em seu artigo na Revista Urdimento (nº20, 2013). O repetir que nunca é igual, mas que cria precisão e uma áurea energética grupal. E trabalho de personagem – olhar prático da experiência humana.

Cogitei em levantar e ir sentar ao seu lado. Pesando as circunstâncias, as opções disponível, viajar com Ela (que geralmente faço) ou ler o Ator no séc XX para a prova de mestrado, optei, nesse dia, para quebrar a rotina, pela leitura acadêmica. E falando de academia: sobre as leituras obrigatórias para a prova: Guénoun e Sandra Meyer maravilhosos – ótima companhia teatral. O corpo docente de uma instituição é muito relevante, esse corpo é importante porque que determina o tom da instituição. Dentro de qualquer instituição concreta ou abstrata, existem as “palavras de ordem” que estruturam e limitam, criando referências a serem tencionadas. Então, observamos Pós-moderno, pós-dramático, performatividade, mitos (copeau, grotowski, Artaud, Peter brook...), construções filosóficas, formatações linguísticas. Essas “palavras de ordem” como diz Deleuze são sempre para a afirmação da redundância, para a manutenção da estrutura construída. No entanto, dentro dessas redundâncias a sempre espaços para as brechas, rachaduras subjetivas, processos de abstrações, “linhas de fuga”. E a criatividade está no “Jogo” (sentido teatral) dessas circunstâncias, e o poder de penetrá-las. Assim, no artigo que vou escrever para a cadeira “O ator e o teatro contemporâneo” conduzida pelo Mestre Dr. José Ronaldo Faleiro, quero refletir sobre a linguagem escrita teatral, a reverberação do teatro na literatura. A diferença entre agentes teatrais que escrevem (ator, espectador, diretor, historiador). E para fazer isso, limites concretos, viés da tensão da linguagem. O resumo do artigo:

Resumo:

Refletir sobre o discurso teatral, na linguagem literária, a partir do estudo de sua funcionalidade diante de um contexto, que molda tanto a estrutura estética como o conteúdo, jogo com “palavras de ordem” e “linhas de fuga” (DELEUZE &GUATTARI). Como objeto de análise, utilizo manifestos de Copeau; “O suicida da sociedade” de Artaud; palestra de Grotowski de 1972 no Brasil; e o artigo acadêmico  “A intersecção entre reprodutibilidade e espontaneidade no trabalho do ator” de Lídia Olinto e Matteo Bonfitto. Como base reflexiva, utilizo o capítulo “20 de novembro de 1923 – Postulados da linguística” (Mil Platôs Vol.2) e “Ano zero – Rostidade” (Mil Platôs Vol. 4) de Deleuze & Guattari (1995); e, também, a aula inaugural no Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970: “A ordem do discurso” de Michel Foucault (1996).

Palavras-chave: Literatura teatral – Linguagem - Discurso


 Fecho o livro, é o momento de eu descer, chegamos ao IFSC. Levanto. Atrás do motorista tem um vidro que o separa dos passageiros. Nossos olhares se encontraram no reflexo desse vidro. Ela se surpreende a me ver. Os olhares deixam o intermédio do vidro e se encontram diretamente. Sorriso harmônico fruto da afinidade habitual, um toque de mãos, diálogo: “tchaus”. Jeferson, o que essa menina tem a ver com o contexto teatral? Obviamente, não estou falando dela para expor minha vida afetiva, mas sim porque ela é uma das atrizes que quero que esteja em uma montagem teatral que estou concebendo. Só para elucidar que não encontro meus atores nos currículo Lattes, mas na vida, por evocações. Reconheço pelo olhar. A qualidade que me instiga no ator é o Olhar. A necessidade intensa do Viver, de estar presente, a têmpora consciente.  

Carta

Anna,

Ontem (23/10/13) , como lhe disse, fiz uma performance de Van Gogh, quando ele queima a mão. Te conto um pouquinho:

Começo lendo um trecho do “Suicida da sociedade” de Artaud:

"É possível falar da boa saúde mental de Van Gogh que, no curso de toda a sua vida, apenas assou uma das mãos e, fora isso, não fez mais do que amputar a orelha esquerda, num mundo onde se come todos os dias vagina cozida à la sauce vert ou sexo de recém-nascido espancado e colérico, tal como é colhido ao sair do sexo materno.
E isto não é uma imagem, mas um fato abundante e cotidianamente repetido e observado em toda a terra.
E é assim que, por mais delirante que possa parece tal afirmação, a vida presente se mantém em sua velha atmosfera de estupro, de anarquia, de desordem, de delírio, de desregramento, de loucura crônica, de inércia burguesa, de anomalia psíquica (porque não foi o homem mas o mundo que se tornou anormal), de assumida desonestidade e de insigne hipocrisia, de sórdido desprezo por tudo o que mostre Verdade (...)
Isto é nocivo porque a consciência doente tem a esta altura interesse capital em não se livrar da doença.
Foi assim que uma sociedade deteriorada inventou a psiquiatra para se defender das indagações de certas mentes superiores, cuja capacidade de adivinhar a incomodava "
Apago as luzes e acendo uma vela:

Van Gogh aos 28 anos se apaixona pela prima. Uma mulher viúva e com filho. Alimenta silenciosamente a paixão... Decide se declarar. A prima, uma mulher experiente e, o que parece inteligente, já tinha percebido as intenções de Van Gogh. E lhe responde prontamente “Jamais, não, Jamais”. Van Gogh acredita que aquele “não” não é definitivo. Vai procurá-la em sua casa. Seu tio o recebe e diz que ela não quer recebê-lo...

Escolho alguém da plateia, no olhar...

É uma urgência, que não tem a ver com velocidade...
Ou ansiedade... 
É o ritmo consciente do efêmero;
Ímpeto de buscar paisagens invisíveis.
Lembra? A estrutura... se alterou.
É você, e se não for você, é ninguém mais. Você sabe! Entende? Eu entendo: é intenso. E não tem como não ser.
Não tenho nada para te oferecer, é verdade... 
Sou um pintor.
Eu tenho consciência: vai doer.
Queima a mão!

A primeira apresentação:

Coloquei uma tensão de “algo vai acontecer” (estamos em uma sala de aula, que eles são obrigados a estar todos os dias pela manhã) comecei com o texto do Artaud: uma suspensão, no final, respiraram. Apaguei a luz e acendi a vela. Narração do texto que contextualiza a cena, algumas participações da plateia (em relação a estória). Silêncio instaurado (apenas a trilha)... Escolhi uma menina da turma para dar o texto seguinte: Mariana. Que reagiu com um sutil suspiro da exposição. No início do texto um breve de desconforto. No “lembra?” em diante, conectou. Uma abstração consciente. Co-existiu o campo do  nosso olhar, com os olhares de todos em nós, o pulsar conjunto da plateia e atores...
No final tive que queimar a mão de verdade, não podia fingir a dor. A Vela ali, a chama também. Aproveita... Vale a cena: a não representação!

Na segunda apresentação,

Anunciei que ia ler um texto. Renata perguntou “posso gravar?” Eu disse “não”, mas acho que Gabriel gravou assim mesmo, não tenho certeza. Uma expectativa se estabeleceu. O Texto do Artaud fluiu. Comecei o texto que contextualiza a cena, muito silêncio. Quando terminei, olhei para Renata: ela já estava com o olhar presente, a conecção foi instantânea. Em um momento ínfimo, minha mente saiu do presente, a vela apagou. Baixei o olhar para buscar o isqueiro, acendi, e quando levantei, tudo certo, o pulsar permanecia: ela manteve a tensão. Foi um jogo interessante, ela jogando maravilhosamente... Nessa apresentação deixei mais tempo a mão queimando, já conhecia a dor (tinha memória recente).

Danos corporais: uma bolha.


Beijos...

J.



O ritual da personagem: A vida a partir da abstração.


Introdução
(para o projeto de pesquisa do mestrado, 10/10/13)

Inspirações

 “Os corpos podem ser físicos, biológicos, psíquicos, sociais, verbais – são sempre corpos ou corpus” (DELEUZE & PARNET, p: 70, 2004).

 “ (...) as qualidades também são corpos, os sopros e as almas são corpos, as próprias acções e as paixões são corpos”
(DELEUZE & PARNET, p: 81, 2004).

“Tudo é uma mistura de corpos, os corpos penetram-se, forçam-se, envenenam-se, imiscuem-se, retiram-se ou destroem-se...”
(DELEUZE & PARNET, p: 81, 2004)

Apesar de todos os nossos condicionamentos, o que nos distingue são as maneiras de representar na vida real. Se pararmos a representação, que é bem difícil e raro nos tempos que correm, teremos superados as diferenças. Estaremos ainda condicionados pela história, pelas nossas feridas, pelos nossos medos, pelas nossas esperanças. Mas, apesar de tudo isso, seremos semelhantes. Acontece que toda a civilização é uma grande formação de representações (e uso aqui o verbo representar no sentindo inglês de to act, to perform). Vivemos representando papéis; o tempo todo representamos papéis.
(GROTOWSKI in MICHALSKI, P. 34, 2006)
.
Dos Personagens

As dimensões insistem em se “agenciarem”, o emocional com o mental com o físico - a matéria: a extrapolação da imagem, veículos representativos no convívio social, vigiados por referências:

eu/namorado; eu/professora; eu/cliente; eu/pedestre;
eu/músico; eu/depressivo; eu/vagabundo; eu/juiz;
eu/...;
eu/o que represento neste momento em tal situação.

Atuamos em variegados níveis, da obediência (ou não) ao padrão cultural vigente às micros relações que se influenciam na convivência. Guiados por uma vida interior, na solidão (mas nunca sozinhos), perdura a representação com o artifício da lembrança: recriar experiências, situações, sentimentos, paixões... Representações ficcionais: um acidente, briga de um casal, declaração de amor, nascimento de uma criança, ato sexual... sempre haverá impressões e versões distintas (subjetividade inerente): por mais que buscamos a fidelidade, observamos a partir de referenciais criados subjetivamente, dialogando com a fragilidade ineficiente de imagens que sofrem interferência do ato presente. Memórias criativas, paisagem mental (re)construída. Impressões resgatadas e recriadas pelo abismo subjetivo- uma forma concreta (mas não fixa) do efêmero.

Do efêmero:
Entre distintas emoções, paixões, sentimentos, escolhemos como ilustração o medo. O medo é uma entidade que se manifesta em um agenciamento de planos dimensionais: as experiências pretéritas que vão do concreto às abstrações, as idas e vindas a poços inconscientes coletivos e as sutilezas do presente moldam a manifestação. O medo de estar entrando em um campo perigoso mentalmente e assim não conseguir escrever esse projeto no prazo de entrega estabelecido; é diferente do medo de um bicho peçonhento que aparece em minha sala. A distância que mantenho do bicho influencia na intensidade; o “estado de espírito” do dia também influencia. A subjetividade de estar vivo é algo que não se repete por dialogar constantemente com aspectos criativos.
A vibração é um ato único e criativo.
Existem padrões vibracionais que se manifestam, no entanto, cada padrão dialoga com subjetividades, memórias e circunstâncias presente que matizam a experiência, moldando constantemente a personalidade (construindo referências à criação do personagem individual e/ou social). A construção de um personagem são definições de padrões que irão se repetir. Definimos do corpo físico à vida interior (podendo ser mais ou menos psicológica, mais ou menos caricata, mais ou menos verossímil). Em um personagem há um padrão que sempre o revisitamos, digno de identificação. O personagem de antemão nos sugere um caminho, nos guia para criar um padrão que difere na sutileza. E essa é uma questão que me interessa: existe tanto o padrão, como a diferença no padrão. No teatro, em toda apresentação o ator tem que chegar a um padrão estabelecido, e esse “chegar” (agenciamentos materiais complexos) é a vida desmembrada em multiplicidades, quiçá, infinitas.
Pensamos o padrão coletivo se desmembrando em atores distintos. Todos iguais? Sim e Não: todos iguais, pontos comuns que os identificam; todos diferentes, nuances intrínsecas.
O personagem serve a algo superior: o espetáculo. Está a serviço da concepção. Seu desempenho, sua construção subjetiva, dialoga compondo com todos os elementos teatrais (da dramaturgia ao cenário; das ações ao público). E as nuances de sua interpretação são responsáveis...


O público

“É, então, ao cinema que devemos nos dirigir se quisermos ver personagens (e com estes nos identificarmos), ou se quisermos vivenciar a experiência de sermos sujeitos-espectadores da representação.”
(GUÉNOUN, p: 129, 2004)

Uma apresentação de um espetáculo pressupõe alguém assistindo: um espectador que, inevitavelmente, exerce influência sobre o espetáculo. Agente criativo. Sempre que refletimos na criação teatral, a entidade público tem que ser considerada. Inevitavelmente. Pois, para que serve o personagem senão para o público? E para falar do público, teremos que falar um pouco do papel que o teatro (e o personagem) ocupa hoje depois da revolução tecnológica. O advento do audiovisual e sua popularização começa a exercer a função que era do teatro, principalmente em relação a identificação com personagens e estórias. Então, o ator que busca o personagem, agora, também o encontra como opção a linguagem do cinema, televisão, vídeo (com suas exigências específicas da linguagem). No entanto, no teatro uma coisa é insubstituível, o jogo: o estar fazendo. O prazer de estar jogando e o prazer de ver os atores jogarem (GUÉNOUN, 2004). Por mais que a proposta de fazer um programa de televisão, por exemplo, ao vivo, em que os atores improvisem a cada programa, existe o filtro da câmera, que é um abismo entre ator e público, a presença física é insubstituível.
Como a Presença é inevitável a concepção tem obediência ao público. É diferente apresentar para 100, 12, 45, 2000, 7, 67, 2... pessoas. É diferente apresentar para 7, e o espetáculo foi concebido para 7; do que apresentar para 7, e o espetáculo foi concebido para 60. Difere sala e rua. O público não está nos ensaios fisicamente (apenas como áurea) e o jogo já está acontecendo, aos poucos vão entrando, um ou outro vão assistindo, até que se abre ao público geral concebido. Então, o local e o número de pessoas influenciam diretamente na concepção.

A Concepção

“No teatro temos um elo visível – o espetáculo – e um outro quase invisível: os ensaios. Os ensaios não são apenas a preparação para a estréia do espetáculo, são para o ator um terreno em que descobrir a si mesmo, suas capacidades, as possibilidades de ultrapassar os próprios limites”.
 (GROTOWSKI in FLASZEN, 2007, p: 229)

São muitos elementos que devemos considerar para definir uma concepção. (número de atores, linguagem, espaço, público, publicidades, recursos financeiros...) A concepção são os limites do jogo. Assim, se revisito a questão proposta de se tirar todos os elementos do teatro que não é teatro o que sobra? Estabelecemos limites que é inevitável que se volte ao ator. E o impulso que me percorre é um trabalho do “ator sobre si mesmo” (FLASZEN, 2007). Penso em um ator que vá ao encontro do teatro pelo teatro, e não na busca da obra teatral, do prestígio publicitário e do reconhecimento alheio, e, desta forma, começo a determinar algumas regras do jogo (poderiam ser outras?): solidão: trabalho individual, ou seja, “(...) o que o ser-humano pode fazer com sua própria solidão, como ela pode ser transformada em uma força e em uma relação com aquilo que chamamos de ambiente natural” (GROTOWSKI IN FLASZEN, p: 231, 2007). A pesquisa se foca no material que o ator dispõem, corpos (físicos e sutis) em um espaço vazio, estruturação do ritual. “Quando me refiro ao ritual, falo de sua objetividade; quer dizer que os elementos da Ação são os instrumentos de trabalho sobre o corpo, o coração e a cabeça dos atuantes” (GROTOWSKI in FLASZEN, p. 232, 2007).
O corpo, o coração e a cabeça dos atuantes” associo aos corpos manifestados materialmente (físico, emocional e mental) de que comecei falando no início, o princípio de “agenciamentos”. Um ator que busca no teatro a experiência de Existir; uma “ideia de teatro como campo de investigação prática da experiência humana” (NUNES, p: 177, 2011). O ator olha a experiência humana como “um estrangeiro em seu próprio país” (DELEUZE, p: 77, 2004). Aquém às identificações, movimentação consciente de vibrações, atuar com estudo ( jogo) da experiência humana...


Assim, chego à questão: (O) Por (quê) que precisamos do público?

Referências Bibliográficas.

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins fontes, 1999.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia/ vol: 1. São Paulo: Ed 34, 1995.

DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Lisboa, Ed: Relógio d’água, 2004.

FLASZEN, Ludwik e POLLASTRELLI, Carla (org). O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969: textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwik Flaszen com um escrito de Eugênio Barba. São Paulo: Perspectiva/SESC, 2007.

GUÉNOUN, Denis. O teatro é necessário? São Paulo: Perspectiva, 2004.

NUNES, Sandra Meyer. As metáforas do corpo em cena. São Paulo: Annablume; Florianópolis: UDESC, 2011.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

1 ano de Nave


A Nave 1 ano:

Exposição de Marcos Caldeira.
Música: Billy Engers, Yimi San e Marcos Caldeira
Participação especial no (Djiridu) de Sol









quarta-feira, 24 de abril de 2013

1 ano de Nave: Exposição, música, bazar...



1 ANO DE NAVE:
(Sábado, 27 de abril a partir das 17h)

Exposição: 
Marcos Caldeira.

Música: 
Billy Engers e Yimi San

Bazar: 
Teia da Arte.

Vídeos, comidas... 

E mais...

Domingo, 28 de abril às 20h:
AS CRIADAS de Jean Genet
Última apresentação da temporada.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Campanha Amigos da Nave


CAMPANHA ‘Amigos da Nave’

A Nave Arte está em silêncio (no sentido de não estar fazendo muitas atividades abertas para o público) porque está se re-organizando para continuar as atividades normalmente a partir de fevereiro (pós-carnaval).
Quando a temporada termina, nós começamos!!!
A Nave com sua proposta de produzir e difundir a Arte e a Cultura está lançando uma campanha para solicitar a colaboração das pessoas para conseguirmos realizar a manutenção do espaço e continuar oferecendo à comunidade atividades artísticas gratuitas ou a preços acessíveis.

Para esse ano, alguns projetos da Nave são:

• Oficina de percussão,
• Oficina de Teatro Livre;
• Oficina de montagem (adulto),
• Oficina de teatro para crianças e adolescentes;
• Workshops (o primeiro acontece em fevereiro: “Vivencial de clown”);
• Montagem de um novo espetáculo do grupo;
• Apresentações “As criadas” (resultado da oficina de montagem do ano 2012 e que estreia em fevereiro);
• A implantação de uma biblioteca pública;
• Saraus poéticos e exposições;
• Cine clube;
• Eventos (musicais e teatrais) tanto nas dependências da Nave como em outros espaços mais apropriados (em que poderemos fazer as atividades sem interferências alheias).

O Objetivo da Nave é trabalhar para que seja viável disponibilizar todas as atividades gratuitamente.
Para ser um amigo da Nave:
Entrar em contato para se cadastrar:
A Nave – centro de Arte e Cultura:
Rua: Ptolomeu Bittencourt 44
(48) 3254 6016 / 9684 0785
navearte@yahoo.com.br

Opções de doações mensais:
1. R$ 15.
2. R$ 25.
3. R$ 50

Os Amigos da Nave terão descontos de 20% nas atividades pagas.

PS: Quem não reside em Garopaba e tem interesse em ajudar o espaço, pode contribuir com depósito em conta corrente.

CONTAMOS COM A COLABORAÇÃO DE TODOS PARA QUE A NAVE SIGA EXISTINDO E POSSA EXPANDIR SUAS ATIVIDADES!

COLABORE!!!!!!