Anna,
Ontem (23/10/13) , como lhe disse, fiz
uma performance de Van Gogh, quando ele queima a mão. Te conto um pouquinho:
Começo lendo um trecho do
“Suicida da sociedade” de Artaud:
"É
possível falar da boa saúde mental de Van Gogh que, no curso de toda a sua
vida, apenas assou uma das mãos e, fora isso, não fez mais do que amputar a
orelha esquerda, num mundo onde se come todos os dias vagina cozida à la sauce
vert ou sexo de recém-nascido espancado e colérico, tal como é colhido ao sair
do sexo materno.
E
isto não é uma imagem, mas um fato abundante e cotidianamente repetido e
observado em toda a terra.
E é
assim que, por mais delirante que possa parece tal afirmação, a vida presente
se mantém em sua velha atmosfera de estupro, de anarquia, de desordem, de
delírio, de desregramento, de loucura crônica, de inércia burguesa, de anomalia
psíquica (porque não foi o homem mas o mundo que se tornou anormal), de
assumida desonestidade e de insigne hipocrisia, de sórdido desprezo por tudo o
que mostre Verdade (...)
Isto
é nocivo porque a consciência doente tem a esta altura interesse capital em não
se livrar da doença.
Foi
assim que uma sociedade deteriorada inventou a psiquiatra para se defender das
indagações de certas mentes superiores, cuja capacidade de adivinhar a
incomodava "
Apago as luzes e acendo uma
vela:
Van
Gogh aos 28 anos se apaixona pela prima. Uma mulher viúva e com filho. Alimenta
silenciosamente a paixão... Decide se declarar. A prima, uma mulher experiente
e, o que parece inteligente, já tinha percebido as intenções de Van Gogh. E lhe
responde prontamente “Jamais, não, Jamais”. Van Gogh acredita que aquele “não”
não é definitivo. Vai procurá-la em sua casa. Seu tio o recebe e diz que ela
não quer recebê-lo...
Escolho alguém da plateia,
no olhar...
É
uma urgência, que não tem a ver com velocidade...
Ou ansiedade...
É
o ritmo consciente do efêmero;
Ímpeto
de buscar paisagens invisíveis.
Lembra?
A estrutura... se alterou.
É você,
e se não for você, é ninguém mais. Você sabe! Entende? Eu entendo: é intenso. E
não tem como não ser.
Não
tenho nada para te oferecer, é verdade...
Sou
um pintor.
Eu
tenho consciência: vai doer.
Queima a mão!
A primeira apresentação:
Coloquei uma tensão de “algo
vai acontecer” (estamos em uma sala de aula, que eles são obrigados a estar
todos os dias pela manhã) comecei com o texto do Artaud: uma suspensão, no
final, respiraram. Apaguei a luz e acendi a vela. Narração do texto que
contextualiza a cena, algumas participações da plateia (em relação a estória). Silêncio
instaurado (apenas a trilha)... Escolhi uma menina da turma para dar o texto
seguinte: Mariana. Que reagiu com um sutil suspiro da exposição. No início do
texto um breve de desconforto. No “lembra?” em diante, conectou. Uma abstração
consciente. Co-existiu o campo do nosso
olhar, com os olhares de todos em nós, o pulsar conjunto da plateia e atores...
No final tive que queimar a
mão de verdade, não podia fingir a dor. A Vela ali, a chama também.
Aproveita... Vale a cena: a não representação!
Na segunda apresentação,
Anunciei que ia ler um
texto. Renata perguntou “posso gravar?” Eu disse “não”, mas acho que Gabriel
gravou assim mesmo, não tenho certeza. Uma expectativa se estabeleceu. O Texto
do Artaud fluiu. Comecei o texto que contextualiza a cena, muito silêncio. Quando
terminei, olhei para Renata: ela já estava com o olhar presente, a conecção foi
instantânea. Em um momento ínfimo, minha mente saiu do presente, a vela apagou.
Baixei o olhar para buscar o isqueiro, acendi, e quando levantei, tudo certo, o
pulsar permanecia: ela manteve a tensão. Foi um jogo interessante, ela jogando
maravilhosamente... Nessa apresentação deixei mais tempo a mão queimando, já
conhecia a dor (tinha memória recente).
Danos corporais: uma bolha.
Beijos...
J.
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