quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Um rito de passagem (crítica do filme The Ballad of Jack and Rosie)


O filme The Ballad of Jack and Rosie escrito e dirigido por Rebecca Miller e protagonizado por Camilla Belle e Daniel Day-Lewis estréia em 2003 nos Estados Unidos. Comento esse filme porque o trabalhei  na disciplina Filosofia e Artes com ensino médio da Escola Perfil. 
O filme: o pai, que escolhe a sua filha, por um período - o que precede a sua morte - como mulher de sua vida; para a filha, outro homem é inexistente na áurea atenciosa vigiada pelo pai. O inevitável, o pai não pode assegurar para sempre uma vida (um universo particular) para filha, o motivo, são dois: primeiro, ninguém é eterno, e, segundo, tem necessidades da filha que não cabe à família suprir, não lhe diz respeito. 

O filme, então, é um ritual de passagem da menina para mulher.

Rebecca Miller abusa dos símbolos para nos contar esse rito. Jack: aproximo do arquétipo do minotauro. O que está preso no seu labirinto, não porque foi forçado; mas porque escolheu estar preso em uma ilha do que participar das leis vigentes do convívio social, como Asterion de Borges. A diferença entre os minotauros é que Jack no seu labirinto tem uma filha (uma mulher) que cria suas referências na ilha labiríntica (universo sedutor do mostro), ao mesmo tempo, que inevitavelmente o modifica com sua existência. E Asterion de Borges vive em solidão completa, “sem pompas feminis” como ele mesmo afirma. E também Asterion mata como libertador do veneno social, Jack tenta “matar” todo veneno que pode ferir seu labirinto.
Jack transita em contradições: o pai que garante a proteção do externo à filha, e o que tem a responsabilidade de mostrar os universos alheios: “o mundo” – a cultura vigente. A simbologia é trabalhada com uma sutileza transformando Rosie em uma das bruxas mais interessantes do cinema.

Reforço a redundância dos símbolos falando deles:

Quando o mundo externo chega ao universo dos dois, a natureza “sangra”; Rosie, na praia, olha a natureza se movimentar formando a tempestade que vai derrubar sua casa (da árvore). Diante da pergunta do pai se ela ainda usa sua casa, Rosie responde ironizando sua criança, “It’s My house”. Nessa cena, Jack avisa que vai chegar visitas. E quando chegam as visitas, não para passar uns dias, e, sim, para morarem definitivamente, pois, não são apenas visitas, é um romance de Jack com seus filhos, Rosie cobra a promessa do pai, de que ela estava protegida para sempre da doença do mundo em sociedade, sente-se traída.

Enfrenta a crise ciumenta da perda total de atenção, se despindo da criança e se entregando confiante às mãos de uma espécie de terapia do cabelo (corte radical), e imbuída de uma energia determinada, toma uma atitude semelhante do pai, o de atirar nos intrusos que invadem seu território. Cenas mais tarde, na perda da inocência com a perda da virgindade (um ato vingativo em relação ao pai) libera uma cobra venenosa que vai atacar implacavelmente, saindo da casa somente quando tudo estiver queimado, acabado: o ritual consolidado. Rosie vive a responsabilidade dos perigos quando testamos os limites para sairmos da inocência dos universos umbigais: “As pessoas inocentes são perigosas”.

O beijo entre pai e filha, antes de tudo que se pode construir moralmente, é uma despedida. É quando o mostro percebe a fragilidade de sua uma ilha, um pequeno labirinto, diante da máquina - da lógica - da ordem - do contrato social, criado e reforçado por universos individuais. E o seu labirinto é uma “mancha” por não obedecer a lógica do senso comum e, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, será afetado, desmoronado, por um Teseu pré-fabricado em sonhos pavimentados de tecnologia e praticidade.

A Menina ingênua morre junto com o pai.

Todo esse ritual acontece em um contexto de um embate entre ideologias, choques de modo de ver o mundo: o ambientalista x a especulação imobiliária.

Para falar de atuação, primeiramente falo de direção. Rebeca Miller, cuida de cada ator primorosamente, um filme de ator - Camilla Belle perfeita para a personagem, jovem e ao lado de um ator experiente, desempenha o papel com eficácia e precisão; Daniel Day-Lewis, por sua vez, esbanja sutileza na interpretação, pra mim, impecável. O naturalismo em seu estágio primoroso. Se pensarmos no teatro consigo idealizar algo assim, somente em uma sala pequena para poucas pessoas assistirem. Sutilezas deste nível, lembro dos Prêt-a-porter  orientado por Antunes Filho.


Tecnicamente: fotografia, trilha e edição servem à atuação, sem exibicionismo, o reforçar do acontecer do rito “natural”, todos passam!      

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